Ontem foi o dia do cientista de alimentos e quero resgatar esse texto que escrevi para a Apcal (Associação dos Profissionais Cientistas de Alimentos) em 2017, numa fase bem deprê da minha vida, quando cheguei no fundo do poço.
Esse texto marcou o início da minha recuperação e tanta aconteceu de lá pra cá que nem seria um clichê eu dizer que renderia um livro – uma parte do que aconteceu eu escrevi aqui. O dia do cientista de alimentos é também o dia em que nasceu meu filho, é o nascimento da profissional e da mãe em histórias que se misturam e se completam.
“O que você quer não existe!
O que você quer não existe foi a resposta da minha mãe quando eu disse que queria estudar alguma coisa onde eu aprendesse a produzir as coisas que eu gosto de comer, mas não queria ser cozinheira nem nutricionista (detesto dietética) e nem engenheira de alimentos, mas que queria pesquisar, criar produtos novos, saber do que as coisas são feitas. Essa conversa aconteceu em 2004 e me marcou bastante porque, como é que um curso desse poderia não existir?
Pesquisei tudo o que pude e descobri que em Piracicaba tinha um curso chamado “Ciências dos Alimentos” e tinha o que eu gostava. Prestei o vestibular no fim de 2005 e…não passei. Fui a primeira pessoa da lista de espera que não entrou, faltou pouco. Após um ano de cursinho, prestei de novo, mas dessa vez fui até Piracicaba conhecer a Esalq, eu nunca tinha ido naquela cidade. Dessa vez eu passei em primeiro lugar. Costumo dizer que a fila andou de um ano pro outro e finalmente chegou a minha vez.
Fiz Gastronomia e Ciências dos Alimentos ao mesmo tempo porque o que eu queria mesmo era a gastronomia molecular, uma área tão nova que não tinha nada no Brasil na época. Quando cheguei no terceiro ano, já formada em Gastronomia, queria largar Ciências dos Alimentos, eu não queria trabalhar em laboratório.
A família me convenceu a ficar. Fiz estágio dentro e fora da Esalq, intercâmbio (estudei gastronomia molecular onde ela já existia), me formei, saí voluntariamente da indústria da Pesquisa & Desenvolvimento da indústria dos sonhos dos meus colegas e no fim fui trabalhar em supermercado, eu queria aprender e crescer numa nova área. Depois de passar um ano em treinamento no supermercado, fui coordenar a operação dos restaurantes e cafeterias dessa rede.
Eu gostava do que eu fazia, mas não sabia bem o que fazer, ainda não era a minha área.
“O que você quer não existe!”
Minha mãe repetiu isso em 2013. E fui pesquisar de novo. Como assim não existe um curso para estudar coisas novas? Eu gosto é de novidade, do futuro, da tendência. Achei: Gestão Global da Inovação.
Mas não existia no Brasil, então fui embora de novo. França, Estados Unidos e China, um ano em período integral, imersão em inovação, morar com pessoas de seis nacionalidades, projetos de consultorias para empresas, uma experiência de quase-morte na última semana de provas devido a um erro médico e uma cirurgia de risco longe de casa, estudar em outra língua, andar com meu endereço de casa escrito em mandarim num cartão para caso eu me perdesse, encontrar o amor da minha vida em Portugal. Isso foi um pouco do que vivi em um ano, mas conquistei meus diplomas.
Fui viver em Portugal, começar de novo, procurar emprego. De novo: o que você quer não existe, mas dessa vez fui eu que constatei. Ninguém sabia o que um gestor da inovação fazia. Como mostrar meu trabalho (ou o novo trabalho que criei juntando minhas áreas de origem e de destino)?
Um blog. O primeiro tinha dado errado, um blog com as receitas que fiz quando perdi 25kg (detesto dietética, lembra?). Vamos tentar de novo. Aos poucos fui aprendendo…a escrever e divulgar, dominar as redes sociais. O que eu faço hoje? Escrevo! Escrevo para a primeira revista de inovação de Portugal e escrevo o Eat Innovation, o primeiro blog exclusivamente de inovação em alimentos do mundo!
É estranho ser uma cientista que escreve, mas 300 artigos depois, posso considerar que é isso o que faço. Ser cientista é também tornar a ciência acessível para todos e as mais de 10 mil pessoas que visitam o Eat Innovation todos os meses são o motivo e o resultado do que faço. O que eu quero não existe, então crio o meu trabalho todos os dias. Ainda há muito para fazer, continuo a ter milhares de ideias, vem muita novidade por aí. Se o que eu quero ainda não existe, é questão de tempo para eu aprender e criar. Esse é o maior valor que eu carrego como cientista.”
Em 2023, seis anos depois desse texto, cá estou eu em outro negócio “que não existe”, disseminando o upcycling de alimentos no Brasil, ajudando empresas a transformar seus resíduos de produção em novos produtos e ingredientes lucrativos, reduzindo seus descartes e alimentando as pessoas. Ah, e ainda sou uma cientista que escreve, 500 artigos depois, ainda é o que faço, além de criar meu trabalho todos os dias, mas não estou mais sozinha! Minha amada mãe não está mais aqui para me apoiar nessas ideias loucas, mas tenho um sócio espetacular, uma equipe incrível e clientes malucos que ousam pensar diferente e revolucionar o mercado criando “o que não existe”. Vamos juntos?
Parabéns Natasha! Que legal ler sobre sua história…uma área linda essa sua…tb sou da área de alimentos, Nutrição e Gastronomia…e tenho uma vontade danada de inspirar tanta gente qto possível sobre os alimentos é a alimentação que tanto fazem meus olhos brilharem…