É urgente encontrar alternativa ao óleo de palma. A insustentabilidade de sua cadeia produtiva é quase desconhecida do consumidor, que nem imagina o que está em metade (sim, METADE) dos produtos do supermercado.
O óleo de palma, também conhecido como azeite de dendê, está em pratos como acarajé e bobó de camarão. Já nos produtos industrializados, muitas vezes ele aparece na lista de ingredientes apenas como “óleo vegetal”. Essa indústria vale $65 bilhões, pois ele é usado não só em alimentos, mas também em cosméticos, têxtil e até combustível. O foco agora é em desenvolver uma indústria alternativa ao óleo de palma, sustentável, funcional e economicamente viável.
Por que a preocupação com o óleo de palma?
Uma disputa global
A Malásia, segundo maior produtor do mundo, acusou a União Européia de bloquear o acesso ao mercado com uma nova lei que impede a venda de commodities ligadas ao desmatamento. Ainda que diversas empresas já tenham adotado certificações de sustentabilidade globais, a medida ainda pode ser um ônus adicional aos exportadores. A lei complementa uma diretiva anterior para eliminar combustíveis à base de óleo de palma até 2030. A Alemanha, no entanto, anunciou o encerramento do uso desse óleo como matéria-prima em biocombustíveis já a partir de 2023.
A extração desse óleo também gera debates no Brasil. A produção é concentrada no Pará e impacta populações ribeirinhas, quilombolas e trabalhadores rurais nas áreas de plantio.
Upcycling e agricultura celular na busca por alternativa ao óleo de palma
A agricultura celular permite produzir substâncias genuínas por meio de fermentação microbiana de precisão. A técnica não se limita à carne cultivada (também conhecida como “carne de laboratório”), há empresas trabalhando até em matérias-primas vegetais como derivados do cacau e óleo de palma.
A Unilever investiu US$ 120 milhões numa parceria com a startup norte-americana Genomatica (‘Geno’) para a comercialização de uma alternativa ao óleo de palma feito em laboratório por fermentação microbiana de precisão. Apesar de ser a maior parceria da empresa no setor, eles não cortarão o óleo tradicional de sua cadeia de suprimentos.
A Geno não é a única nessa corrida, a britânica Clean Food Group recebeu um financiamento de outra multinacional, a Doehler, para desenvolver seu óleo cultivado.
A startup holandesa No Palm Ingredients alia a fermentação de precisão com o upcycling, já que utiliza cascas de batatas e outros resíduos vegetais como meio de cultivo dessas bactérias. Após a fermentação, separa-se o óleo microbiano da biomassa, também aproveitada por outras empresas.
A C16 Biosciences, de Nova York, é mais uma a investir no segmento e seu lançamento para uso industrial está previsto para o início de 2023.
A solução da californiana Kiverdi, que já possui mais de 50 patentes, desenvolveu sua tecnologia inspirada na NASA e usa gás carbônico capturado da atmosfera para multiplicar sua própria cepa. Já a Xylome é detentora do Yoil™, substituto quase bioidêntico do óleo de palma tropical refinado-branqueado-desodorizado.
Por fim, outra norte-america, a Zero Acre comercializa o Cultured Oil para uso doméstico como óleo de cozinha. O cultivo hoje é feito em cana de açúcar, mas deve usar resíduos alimentares como espigas de milho e cascas de laranja futuramente.
Óleo de borra de café
Já falamos de diversas soluções de upcycling de resíduos de café (aqui, aqui e mais aqui) mas ele é mesmo versátil e sempre oferece novas possibilidades. Como não só de fermentação de precisão vive o upcycling, a startup escocesa Revive Eco extrai óleos da borra de café de cafeterias e restaurantes locais como alternativa ao óleo de palma. A tecnologia, com patente pendente, é promissora já que envolve o uso de substâncias naturalmente encontradas na borra. E mais, contribui para a sustentabilidade da cadeia de café, que ganha uma segunda vida com tanto valor agregado quanto a primeira.
Tucumã: a solução brasileira
Às vezes a solução está mais perto do que imaginamos. O tucumã, fruto da Amazônia também pode ser um substituto, pois apresenta as mesmas propriedades do óleo de palma quando é fracionado. E a palmeira que produz o fruto ocorre espontaneamente em áreas de regeneração natural. A ideia não é substituir completamente o óleo de palma por óleo de tucumã, mas ter uma outra alternativa.
Óleo de microalgas
Cientistas da Nanyang Technological University de Singapura desenvolveram um óleo derivado de microalgas rico em ácidos graxos poliinsaturados, adequado a aplicações alimentares, e que representa mais uma alternativa ao óleo de palma.
O futuro
Embora existam enormes desafios para escalar a produção a um custo competitivo ao óleo de palma, essas soluções podem, em conjunto, ajudar a conter o uso dominante de palma. Elas certamente contribuirão para a diversificação alimentar, tornando esse ecossistema mais resiliente. É importante que, em aplicações que continuem a depender da palma, a produção seja sustentável. A idéia aqui não é demonizar um alimento, mas sim ampliar as opções e reduzir dependência de uma única cultura.
Fontes: Green Queen, Correio Brasiliense, Irish Farmers Journal, Foodbev, Eco21, G1, Reuters (I), Reuters (II), Food Ingredients First (I), Food Ingredients First (II), Ciclo Vivo, Veg News, EU-Startups, Vegconomist, Fast Company, Crowd Cube, Triple Pundit, Jus Brasil, NTU, Natura